quarta-feira, 5 de maio de 2010

Devolução


Conceição havia feito todo tipo de simpatia para arrumar um marido. Já contava trinta anos e nada. Decidiu fazer uma última tentativa.

― Será a última vez. - disse isso, folheando a revista Guia Astral, na seção do Bidu. Na primeira simpatia, viu escrito em letras graúdas: ESSA É TIRO E QUEDA!

“Corte uma maçã ao meio; retire parte da polpa de um lado e coloque seu pedido de amor; retire a polpa do outro lado e faça uma breve descrição do pretendente. Com uma fita vermelha, amarre as duas partes da maçã, depois jogue-a em água corrente, fazendo uma prece a santo Antônio. Assim a união acontecerá e somente se dissolverá com a morte de um dos dois”.

Em letras miúdas no rodapé estava escrito: “não aceitamos devolução”. Mas ela não lê.

Assim fez, sem muita fé, pois já havia tentado tantas vezes. A mãe também desistira de casar a filha.

Um ano depois, finalmente no altar. Casara-se. Dera certo a simpatia. Arrumara Conceição, um noivo; não somente um noivo, mas o homem de sua vida. As amigas morriam de inveja, buscavam nele um defeito, nem que fosse uma unha mal lixada. Mas nada. Tinha as unhas polidas e bem-feitas. Bancário, tinha já um belo apartamento no Vieiralves, além disso, sem filhos, bonito, enfim, um bom partido.

― Um partidão! - orgulhava-se a mãe.

Conceição, porém, desconhecia, ainda, as delícias do casamento. Receava por não agradar ao marido; ao mesmo tempo, ansiava por sua primeira noite. Sugeriu ela que encenassem uma fábula. Chapeuzinho Vermelho. Ele topou porque precisava quebrar o gelo, estava tenso. Iniciou então.

― Pra que esses olhos grandes? - na verdade eram enormes, mas ele não a quis magoar, por isso dispensou o “tão”.

― São pra admirar você, meu Lobão!

― E essas mãos enormes? - continuou ela.

― Pra pegar você todinha, Ceicinha!

― E esses braços tão fortes? - perguntou Ceiça com voz macia como de quem anuncia o próximo vôo.

― São pra te segurar, Pepeuzinho!

Agora, ele de cuecas e ela de lingerie. Loucos de desejo continuam a brincadeira.

― Essas coxas tão musculosas, meu Lobo!

― São pra te apoiar, Pepeuzinho!

Finalmente, despido o marido. Ela olha aquele objeto de seu mais íntimo desejo e pensa:

― Será que aceitam devolução, meu Lobinho?

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