PRODUÇÃO ACADÊMICA

NARRATIVA - CARTA

Manaus, 24 de março de 2007.


Estimado amigo Adriano,

Lembra de quando lhe enviei um e-mail, contando de minha imensa vontade de entrar para o curso de especialização em Produção de Textos? Então. Consegui e já estou cursando a terceira disciplina: “Outros textos em construção” e é dela que quero lhe contar, pois sei que você sempre me estimulou e torceu por mim, além de gostar muito do assunto. Perdi seu endereço eletrônico, e o celular você não atende. Mas não vou perder essa oportunidade. Achei seu endereço numa agenda velha, de 2004, espero não tenha se mudado.

Vou principiar contando da imensa alegria ao me encontrar de volta à academia. Somente ao final de 2006 retornei à Universidade Federal do Amazonas, após dois anos do término do curso de Licenciatura em Letras para o Curso de Especialização em Língua Portuguesa com ênfase em Produção Textual. Tal evento significou a concretização de mais uma etapa na busca pelo aprimoramento daquilo que acredito ter sido os meus primeiros passos no mundo do conhecimento científico, especificamente da língua materna. Rever os mestres e colegas, e sentir-me parte novamente deste ambiente foram motivos de grande euforia.

A disciplina teve início há pouco mais de um mês, e se tudo correr bem, terminará na quinta-feira, 29. Ocupamos a sala doze, que fica no final do corredor do terceiro bloco, no ICHL. Não fosse pelo barulho do ar-condicionado, impedindo-me de ouvir com clareza, seria perfeito. O professor Gabriel é o ministrante. Como sempre, muito positivo e se tem mostrado inovador em suas práticas metodológicas e estratégias, exigindo-nos uma postura realmente participativa nas discussões e oficinas, de forma que não há quem não esteja em sua mira, tendo ele decorado todos os nossos nomes. Que memória! E você, lembra-se dele?

Além de exercitar a oralidade durante as discussões dos textos principais e nas análises de textos nas oficinas, exercito a escrita nas produções exigidas. São essas produções os objetos de análise nas oficinas. Num total de aproximadamente 28 alunos, todos participam. Isso faz parte da estratégia utilizada, permitindo o envolvimento de todos.

Nas duas primeiras semanas de aula, em dias alternados, estudamos dois textos: duas tendências distintas sobre a escrita. A primeira de Haquira Osakabe em “O mundo da escrita”; Na segunda, Irandé Antunes em “Assumindo a dimensão interacional da linguagem” nos mostra outra faceta, uma visão interacional da escrita, que se estabelece desde o momento da escolha do tema, considerando o outro extremo, o recebedor, inserido naquilo que precede o ato da escrita propriamente dita, o planejar.

As horas passavam rápido, mal nos acomodávamos nas carteiras e o professor iniciava. Dia a após dia ou em dias alternados, o professor conseguia prender a minha atenção. Apesar do cansaço do trabalho e do percurso feito de ônibus

Fizemos avaliação duas semanas depois, e então, passamos ao estudo dos elementos que constituem o texto narrativo, inserindo além dos já conhecidos: a perspectiva e o tom. Passamos então, a uma nova etapa de análise de texto nas oficinas, a identificação desses elementos. Igualmente fizemos com o texto descritivo.

Nesta última semana, de 19 a 23, estivemos em aula todos os dias, com exceção da quarta-feira. Estudamos o texto de Eni Pulcinelli Orlandi “Nem escritor, nem sujeito: apenas autor”, que identifica uma relação hierárquica existente entre locutor, enunciador e autor, este último seria o fim, o resultado de um processo gradativo que se dá pela apreensão e pelo domínio da língua como sistema, bem como dos fatores de textualidade.

Chegaremos ao final da disciplina esta semana. Amanhã, dia 26, no segundo horário, 19h30min, teremos o segundo momento de avaliação, o primeiro é este, a proposta do professor: redigir esta carta, a narrativa de experiências na disciplina ”Outros Textos em Construção”, considerando o conceito de “sujeito”, segundo Alfredo Bosi, que passa a “autor”, na concepção de Eni P. Orlandi. Destiná-la a um amigo é uma das exigências do enunciado avaliativo que devo seguir. Por isso, escolhi você, público-alvo ao que intenciono. Espero fazer-me compreender em minha pretensa narrativa intitulada “Impressões acerca de um assunto complexo”. Melhor seria, entretanto, se marcássemos uma reunião numa tarde dessas, de sábado, por exemplo, como já fizemos algumas vezes na graduação, assim, entre uma e outra discussão, jogaríamos um pouco de conversa fora.

Aí vai o meu e-mail, caso esta carta chegue ao seu destino. Envie resposta para: nobrehelenir@hotmail.com.

Beijos,

Helenir!

APLICAÇÃO DAS TÉCNICAS DE PRODUÇÃO DO TEXTO DISSERTATIVO, CONFORME TIPOS DE FRASE-NÚCLEO E DESENVOLVIMENTO, DENTRO DO FORMATO-PADRÃO, SEGUNDO ODENILDO SENA EM “A ENGENHARIA DO TEXTO”

I. Assunto: Ecologia
Delimitação do assunto: Destruição do planeta pelo homem.
Argumentos:
  • Intervenção do homem no meio ambiente;
  • Exploração irracional;
  • Contagem regressiva.
Objetivo: Refletir sobre a interferência do homem sobre o meio.
Frase-núcleo: uma interrogação e o desenvolvimento, a resposta a ela.

Futuro, quem sabe?

            O que sobrará às futuras gerações? À medida que a tecnologia avança a serviço do homem, a natureza sofre modificações. Estas, de algum modo, interferem em seu curso, acelerando a contagem regressiva do tempo de vida. Torna-se óbvio dizer que a Terra também assim o faz, e a velocidade dos ponteiros é relativa à ação do homem sobre o meio. Poderíamos, então parar essa bomba-relógio ou uma metástase planetária já se instalou?

II. Assunto: Linguagem
Delimitação do assunto: A linguagem verbal, poderosa arma de guerra ou de paz.
Argumento:
  • “A palavra vale prata, o silêncio vale ouro”;
  •  “Quem cala consente”;
  •  “Não foi isso que eu quis dizer...”
  •  “Quem conta um conto, aumenta um ponto”;
Objetivo: Enfatizar a importância da linguagem verbal como instrumento da paz.
Frase-núcleo como conceito e o desenvolvimento por confronto

 Não haveria entendimento sem a linguagem verbal

              Linguagem verbal é uma forma de expressão escrita ou falada que se dá através da articulação das palavras com o objetivo de comunicar. Entretanto, é preciso mais que isso. Tem que haver sempre um locutor e um interlocutor. É aí que se iniciam todos os problemas do mundo. Uma palavra mal interpretada poderia gerar uma guerra, esta seria evitada se o silêncio não se instalasse naquele momento. Se por um lado, o silêncio vale mais que a palavra, por outro, “quem cala consente” e se, “não foi isso que eu quis dizer”, só poderia consertar o dito, dizendo outra coisa. Muitas guerras começaram assim e terminaram com uma boa articulação verbal. Sem a palavra, o mundo teria a monotonia do silêncio e seria rígido como um cadáver. Sem aquele ponto que aumenta o conto, não nasceriam as paixões e os sonhos. A linguagem, então, oportuniza o diálogo e aumenta as chances de paz.

III. Assunto: Amor e paixão
Delimitação do assunto: Amor e paixão sentimentos diferentes que constituem a essência do ser humano.
Argumento:
  • O amor não é cego, a paixão, sim;
  • A paixão é a infância, o amor, a maturidade;
  • A paixão é instinto, o amor, a razão;
  • A paixão é intransigente, o amor, tolerante.
Objetivo: Mostrar que o amor e a paixão compartilham o mesmo espaço, mas em tempos diferentes.
Frase-núcleo como declaração inicial e o desenvolvimento por contraste

Paixão e amor, “duas faces de uma mesma moeda”

              O amor não é cego, a paixão, sim. A paixão é a infância, nasce tateando e sobrevive pelo instinto. O amor, esse tudo vê. Seus olhos estão no coração, no entanto, é maduro e racional. Que contradição! A paixão é egoísta, o amor é só doação. A paixão é intransigente e latente; o amor, tolerante e calmo. A paixão pode durar pouco, só o tempo de crescer o amor; este pode durar uma eternidade, pois não é estático, flutua no espaço e no tempo, ao passo que a paixão gira sempre em torno de um mesmo eixo. Amor e paixão são sentimentos que se fundem e se confundem, completando a essência do ser. Por isso não haveria adjetivos suficientes para descrevê-los. Só nos resta senti-los.

IV. Assunto: reflexão e decisão
Delimitação do assunto: As mais importantes decisões são tomadas entre quatro paredes.
Argumentos:
  • Entre quatro paredes;
  • Privacidade;
  • Decisões importantes.
Objetivo: Evidenciar a importância de um local reservado para reflexão e tomada de decisões.
Frase-núcleo por omissão de dados identificadores e o desenvolvimento por exploração de aspectos espaciais.

 Um local de reflexão e decisão

              Ele fica em posição desprivilegiada, longe do alcance da vista dos curiosos, e embora não seja a mais importante dependência de um lar, é nele que importantes decisões são tomadas. É isso mesmo, sozinhos neste local pensamos melhor, refletimos e tomamos decisões: reconsiderar a decisão de terminar aquele namoro, afinal, ele tem suas qualidades... Até mesmo, um olhar que se fixa no azulejo de motivos florais, pode levar à decisão de comprar aquela blusa que combina tanto com a saia preta com flores-do-campo bordadas na barra. Ainda, a difícil decisão de permitir ou não a ida do filho de oito anos à colônia de férias da escola, pode ser influenciada pelo simples cair da água escorrendo no ralo, afinal, a vida deve seguir seu curso. Enfim, essas e outras decisões, por sinal, cruciais, são tomadas quando nos encontramos sozinhos, em um lugar reservado, sem ninguém para interferir. Enfim, num espaço para reflexão!


V. Assunto: Democracia
Delimitação do assunto: O Brasil tem teorias democráticas e práticas...
Argumentos:
  •  O voto secreto tornou-se o símbolo da democracia;
  •  A liberdade de expressão está garantida no Artigo 5o. da Constituição Federal;
  •  O slogan do Governo Federal é a própria democracia.
Objetivo: Mostrar porque o Brasil, embora tenha teorias democráticas, permanece com práticas tirânicas.
A frase-núcleo como declaração inicial e o desenvolvimento construído por comparação.

Brasil, um ditador democrático

              O Brasil é um país de teorias democráticas. Passou do regime ditatorial e vive em plena democracia, pois conquistamos o direito ao voto secreto, à liberdade de expressão e vivemos em um país cujo slogan de seu governo traduz a própria essência do Sistema. Entretanto, o voto, símbolo do pleno exercício de cidadania, é obrigatório, sob pena de multa pela sua desobediência. Nesse caso a democracia se iguala à ditadura. Por sua vez, o direito à liberdade de expressão, garantido no Artigo 5º da Constituição, permiti-nos manifestar opiniões, desde que concordemos com os patrões, com os professores, inclusive com os maridos, sob pena de demissão, de reprovação e de divórcio. A censura então permanece. Onde está a democracia. E não é só, o slogan “Brasil, um país de todos” idealiza a eqüidade, se não sugerisse também, ser o Brasil, um país de “todos”, todos que aqui entram e se apropriam de “nossas” riquezas, o que não cabe à grande maioria, seus filhos legítimos. Diante disso, o que mudou desde o “fim” da ditadura. Talvez os mecanismos de opressão, a mão do opressor e algumas terminologias.


VI. Assunto: Problemas sócio-econômicos
Delimitação do assunto: Alguns problemas sócio-econômicos gerados pelo aumento da população de forma desordenada.
Argumentos:
  • Gera desemprego
  • Leva à degradação do meio ambiente
  • Contribui para o aumento de doenças
Objetivo: Identificar algumas causas e conseqüências dos problemas socioeconômicos da cidade de Manaus.
A frase-núcleo como divisão ou discriminação e o desenvolvimento construído por causa e conseqüência.

 Manaus cresce...

           O crescimento populacional desordenado da cidade de Manaus ocasiona sérios problemas socioeconômicos, dentre eles: o desemprego, a degradação do meio ambiente e o aumento de doenças. O primeiro se configura, também, como fator de causa para vários outros males sociais. Mas, é antes de tudo, conseqüência do processo migratório, movido pela esperança de melhores condições de sobrevivência. No entanto, a oferta de emprego é bem menor que a procura e muitos não possuem qualificação profissional. Sem emprego e dinheiro, famílias inteiras optam pela ocupação indevida de áreas da periferia, modificando-as: desmatando, queimando e poluindo, o que caracteriza um fenômeno muito comum em Manaus, a invasão. Essas ações irracionais provocam desequilíbrio ambiental, que por sua vez, geram as doenças, haja vista serem essas áreas carentes de saneamento básico, o que propicia a proliferação de doenças. Pelo exposto, verificou-se que a cidade de Manaus, historicamente, cresce sem planejamento, e com ela, os males sociais.

VII. Assunto: religião
Delimitação do assunto: A religião pode interferir no desenvolvimento das sociedades.
Argumentos:
  • Reforça o preconceito
  • Distorce a realidade
  • Interfere na compreensão dos fenômenos naturais
  • Permite uma visão unilateral de mundo
A frase-núcleo como alusão histórica e o desenvolvimento construído por exploração de aspectos temporais.
Objetivo: Mostrar que a religião pode interferir na maneira de ver o mundo.

Por trás da fé

              Durante a Idade Média, as pessoas guiadas pela fé cristã desconheciam outra força capaz de explicar os fenômenos naturais, a não ser por Deus. Idéias distorcidas doutrinadas pela igreja católica, cujo poder era maior que o próprio sistema feudal, impediam o acesso às informações e mantinham as pessoas presas ao medo. Hoje não é diferente, pois muitas religiões, principalmente algumas que protestaram contra os abusos desta Igreja, invertem os papéis e estimulam uma espécie de guerra entre o bem e o mal. O bem seria manter-se afastado daquilo que não vem de Deus, ou seja, de todo e qualquer conhecimento capaz de conferir discernimento entre o poder que vem de Deus e o poder dado ao homem por Deus, permitindo-lhe entender os fenômenos naturais pela ciência. Por sua vez, o mal estaria materializado em tudo o que contraria suas doutrinas. Assim, compreender o mundo além da visão religiosa, com certeza abalaria a fé e afastaria o rebanho, o que não seria bom para as finanças.


VIII. Assunto: Educação
Delimitação do assunto: dificuldades de aprendizagem
Argumentos:
  • “Pedagogia do Monólogo”
  • Filosofia da “tábula rasa”
  • As metodologias ultrapassadas.
Objetivo: Mostrar que muitas dificuldades de aprendizagem atribuídas ao discente são, na verdade, oriundas do próprio Sistema.
Frase-núcleo por declaração inicial e desenvolvimento por explanação de idéias em cadeia.

Cabo de guerra

               Muitas dificuldades de aprendizagem em nossos alunos podem ser atribuídas a questões metodológicas e à postura do professor em sala. Não poderia ser de outro modo, já que muitas gerações, norteadas pela “pedagogia do monólogo”, tiveram o seu desenvolvimento cognitivo comprometido, pois o professor conduzia a aula tolhindo a participação da platéia. Esta pedagogia, somada à filosofia da “tábula rasa”, em que o discente só adquire conhecimento a partir do primeiro dia de aula sistematizada, dificulta a transformação dessa realidade. Partindo dessa filosofia, metodologias de ensino, que se acreditam eficientes, comparam-se às velhas carroças que não agüentam mais o peso da tecnologia atual, incompatíveis aos anseios dessa nova geração. Pelo exposto, vimos que as dificuldades de aprendizagem estão relacionadas muito mais às imposições do sistema de ensino do que às próprias limitações do aluno, o que nos leva a refletir sobre a existência de um invisível cabo de guerra, numa ponta estão os alunos, na outra, o sistema. Quem vence.

IX. Assunto: Corrupção
Delimitação do assunto: A corrupção faz parte de nossa cultura.
Argumentos:
  • Não é prática exclusiva de políticos;
  • Herança cultural;
  • Influência da mídia televisiva;
  • Mecanismo de sobrevivência.
Objetivo: Identificar a possível origem da corrupção no Brasil.
Frase-núcleo como declaração inicial e desenvolvimento como citação de exemplos.

“Jeitinho brasileiro”

              Quando ouvimos falar em corrupção, logo a associamos àqueles homens bem vestidos que costumam aparecer de quatro em quatro anos. Entretanto, o ato da corrupção é muito mais comum do que se imagina e não é prática exclusiva de políticos. Pode-se atribuir esse mau hábito aos nossos colonizadores, principalmente aos portugueses. Isso é bem provável, pois o processo de dominação teve início com pequenos subornos. Seria então, o nosso jeitinho brasileiro uma herança cultural, um desvio de caráter construído historicamente? Podemos ainda, simplesmente, atribuí-lo à influência da mídia televisiva, exemplos não faltam; ou ainda, à tendência natural em desenvolver mecanismos de sobrevivência que levam a pequenos atos de corrupção. Independente de sua origem, a corrupção de maior ou menor grau, partindo de quem quer que seja, contribui para a desordem, fortalece a desigualdade social e a injustiça.


X. Assunto: texto
Delimitação do assunto: As estruturas internas de um texto
Argumentos:
  • Unidades mínimas sem significado - fonemas
  • Unidades mínimas com significado - morfemas
  • Aspectos lexicais e semânticos
  • Visão de mundo
Objetivo: Enumerar as partes que compõem um texto
Frase-núcleo por declaração inicial e o desenvolvimento por enumeração de detalhes ou fatos.

 Tecendo um texto

               Ao nos depararmos com um texto, dificilmente pensamos no momento de sua construção. Não percebemos os detalhes que constituem esse todo significativo, suas mínimas estruturas fonológicas destituídas de significado que formam outras, morfológicas, presas e livres ou os vários processos geradores do léxico. Há quem pense que os sintagmas se formam aleatoriamente, no entanto, as relações que as palavras têm entre si são dependentes de um sistema de regras que permitem combinações esgotáveis. Mas não é só, palavras têm um “peso” semântico, e o uso de uma em detrimento de outra pode denunciar, com maior ou menor precisão, muito sobre quem escreve e sua maneira de ver e sentir o mundo. Pois, embora todos possam ter acesso a um mesmo sistema lingüístico, cabe àquele que o utiliza, tecer, à sua maneira, suas impressões.



RESENHA

Do mundo da leitura para a leitura do mundo (Marisa Lajolo)


Por Helenir Nobre


Ao viajar no “mundo” de Lajolo, tem-se a impressão de percorrer distantes e distintos mundos, os vários da leitura existentes nas falas dos autores que seguirão nesta jornada. São deles os testemunhos que darão ao leitor, um viajante experiente ou não, a capacidade de encontrar a ponte que une duas dimensões, em que uma tem seu fim na outra.

A obra de Marisa Lajolo, intitulada “Do mundo da leitura para a leitura do mundo”, tem nesta 6a publicação, em 2006, pela editora Ática, 112 páginas de estrada a ser percorrida, constituídas de ensaios cuja proposta é discutir questões sobre a leitura literária e o ensino da literatura infanto-juvenil nas escolas, a poesia e seu lugar na escola, a postura do leitor e sua relação com o autor, o despreparo do profissional do magistério no ensino da língua e da literatura e os processos de produção dos livros impressos no Brasil. Tudo isso dentro de um panorama histórico, social e cultural.

Marisa Lajolo é professora titular de Teoria Literária na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), atua como coordenadora do projeto Memória da Leitura, e é autora, entre outros títulos, de Monteiro Lobato, um Brasileiro sob Medida, Literatura, Leitores e Leitura (ed. Moderna) e Destino em Aberto (ed. Ática). Desses tantos, o livro que rendeu a Lajolo o prêmio Jabuti, em 1994, apresentado aqui, possui disposição didática, visando a facilitar a leitura e a compreensão dos textos, pois trazem estes um certo nível de complexidade, haja vista serem os temas, dessa natureza. Os ensaios reunidos na primeira parte cuidam de problematizar e discutir os temas já citados, relacionando-os ao que a autora designa de “Do mundo da leitura”; por outro lado, traz em análises consistentes de autores clássicos brasileiros como Machado de Assis e Monteiro Lobato e o angolano José Pepetela, possíveis respostas às problematizações já exploradas, constituindo a segunda parte do título: “para a leitura do mundo”.

Lajolo, ao apresentar citações de poemas, de crônicas e de artigos de jornais, opiniões de editoras e de professores, e ainda, de pesquisas em escolas, busca dar ao leitor uma visão geral de leitura na sociedade brasileira. Ao analisar tais textos, a autora leva a compreender que desde os tempos mais remotos da introdução da Literatura no Brasil é árdua a tarefa de formar especialistas no ensino desta, de modo que objetivem em suas práticas pedagógicas, não só o interesse pela leitura, uma vez que esta por si só não basta, mas também e, principalmente, a travessia do leitor, da ponte que o retira da condição de letargia.
Mas as vozes que ecoam na história contam dos vários interesses, antagônicos muitas vezes, sinalizando obstáculos que interferem nessa caminhada, impedindo a travessia, como aponta Lajolo na fala de Rui Barbosa ao definir como “calamitoso” os resultados do ensino do vernáculo na escola brasileira; ou na constatação de Martim Francisco Ribeiro ao apontar para a pouca importância dada, ainda no Brasil do Segundo Reinado, à inserção no currículo, da disciplina Língua Portuguesa. Outros, ainda, reconhecem na língua e no profissional, que desta se utiliza, um desprestígio, o qual se sabe permanecer em tempos atuais e de forma mais aguda.

Essa realidade se concretiza, hoje, em outros moldes, adaptada e situada em nosso tempo e história. A ordem política-econômica-social determina que os livros didáticos produzidos em grande escala, bem como os livros de literatura infanto-juvenil, tidos como rentáveis mercadorias, estejam a gosto do freguês, e ainda que não, passam desapercebidos pelo crivo dos profissionais despreparados. Esse despreparo leva a uma aparente inutilidade dos textos literários ou ao mau uso deles.

Todos esses pontos de discussão se entrelaçam formando um só tecido, o cenário histórico-social onde se desenrola uma trama real, cujo fim é a busca de uma proposta eficaz para a formação de “leitores do mundo”. Lajolo mostra a possibilidade de ler o mundo através da literatura quando desvela, na obra de Machado, contos fluminenses, as várias nuanças do leitor-personagem estabelecendo uma interação com o leitor de carne e osso, fazendo-o perceber a relação do mundo literário com o real, sendo esta bem mais estreita do que se poderia supor. À medida que se adentra no mundo narrado por Lajolo, através das análises que faz, ainda, da literatura de Pepetela, As aventuras de Ngunga, e de Lobato, Dom Quixote das crianças, tem-se a certeza de estar trilhando o caminho certo.

Seja a linguagem de predominância clássica ou coloquial, devem ambas, em sua feitura, atingir seu público-alvo. A literatura de Pepetela tem conteúdo de formação, um romance educativo e traz nela híbridas ideologias que colam à situação de uma Angola iniciante como nação independente. Traz, ainda, similaridades com o modelo europeu, mas é autêntico na linguagem simples a fim de ganhar a aproximação do leitor, tal como fora o modo de sua produção, sob árvores e sol.

Lobato, por sua vez, revela uma literatura inovadora e acessível, utilizando a fala de uma contadora de estórias para ensinar aos netos a arte da leitura. Essa intermediação da leitora-personagem parece bem eficaz, haja vista permitir o acesso do clássico através de adaptações pela dialogação, tornando a linguagem acessível sem perder de vista o nível de boa literatura aos iniciantes.

Finalmente, quando metaforiza com o poema de João Cabral, Tecendo a manhã, leva-nos a refletir sobre a produção artesanal do livro e seu teor interacionista, hoje, substituída pela frieza das máquinas, encerrando a leitura em monólogo pela profissionalização do escritor, que perde de vista o real objetivo da leitura na sociedade. Lajolo, entretanto, consegue sinalizar para a direção certa, quando discute tais problemas através da própria Literatura, enfatizando que é necessário percorrer o mundo da leitura - não somente da literária - para depois fazer leituras de mundo.

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