BASTIDORES DA EDUCAÇÃO

Manaus, 17 de maio de 2010
O espetáculo                                            


Começaria às 16:30h. Para quinhentos espectadores; lugar fechado, confortável; credenciamento rigorosamente monitorado; seguranças apostos; torcida organizada; camiseta com impressão serigráfica em vermelho e azul – não se tratava do festival de boi-bumbá - havia nelas a inscrição: “Luta e Resistência”. Tudo previsto para um grande show interativo. Faltaram os cartazes destinados à condução da platéia, caso esquecessem sua parte na atuação: “aplausos”, “silêncio”, “risos”, “erguer o braço”, “vaias”. Não foi preciso. Tudo foi muito bem ensaiado. Entre a platéia, figurantes e personagens, vindos em caravana, a maioria de diferentes municípios do Amazonas. Nos papéis: alguns aposentados, com viagem e estadia, provavelmente patrocinadas pelos organizadores do show. Tratamento vip. Da capital, alguns figurantes. Desses poucos, a maioria barrada. Não haviam ensaiado - talvez o motivo.

À mesa posta – imposta - parte do elenco, os protagonistas. Diziam-se no papel de representantes da platéia - parte dela apenas. Finalmente iniciou, às 17h. Muitos, ainda, na seção de credenciamento. Mas isso não importava, o show deveria começar. E começou. Cinco minutos, o teatro, digo - o auditório - fora invadido, não por tietes, mas por grandes interessados no teor do espetáculo - os não-sócios, chamavam. Ali, naquele palco, naquela platéia seria desenhado o destino de milhares de guerreiros – assim dizia a sinopse - e somente havia trezentos, mais ou menos. Não se ganha uma batalha com trezentos. Dizem que no amor e na guerra vale tudo. É assim que defino o espetáculo, um vale-tudo verbal, quase chegando às vias de fato.

Por alguns instantes, silêncio se fez, somente a mesa se pronunciava. Socializava a metodologia, à revelia da platéia: inscrições até a pronunciação da terceira pessoa escrita, com tempo de três minutos. O cenário, uma plenária e a mesa dirigente, com apresentação de propostas de índices de aumento salarial de uma categoria de trabalhadores - tratava-se de uma assembleia. A mesa apresentou a sua. A plenária aplaudia. Depois foi a vez de um representante da minoria; trouxe uma contraproposta, defendida em um minuto e meio - boicote do microfone. Mesmo assim, aplausos muitos. Sempre que as propostas eram desfavoráveis ao elenco principal, a censura protagonizava. Houve contestação, pedido de ordem, tudo em vão. Pra resumir o final da história, as propostas da minoria sequer foram postas em votação, distorcidas pela presidenta e demais membros da mesa.

A platéia, ensaiada, gritava em coro aos não-sócios:

- Fora, fora!

- Baderneiros!

Digladiavam-se enquanto a mesa se deliciava com a barbárie, incitando com a ajuda do microfone.

- São da extrema direita! – açulava a presidenta da mesa.

- Uuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu! – Vaiava a maioria contra uns poucos de pé.

- Estão aqui para tumultuar! – continuou. – Chamem os seguranças, eu não represento vocês! - gritava enlouquecida.

- Fora daqui!

Insultados, enxovalhados, mas não diminuídos. Queriam estar ali, atuando, ainda que em pouco número. Uns vinte.

Sem alternativa, permitiram sua permanência, sem direito à voz, à vez e ao mais importante, ao voto. Concordaram.

Em meio ao tumulto, alguns personagens - delegados representantes dos distritos municipais - subiram ao palco, e porque não dizer ao palanque? Combinavam estratégias sofísticas para manter a divisão entre a platéia. Esta, em coro, entoava hinos, invocando a presença de Deus, nosso senhor Jesus Cristo, e ao tempo que cantavam, gritavam:

- Demônios! – os mais alterados.

Um trágico espetáculo com derrota da categoria, porque eu estava lá e testemunhei como tudo aconteceu - era figurante. A hipocrisia e manipulação para fins injustificáveis dos meios usados: a falácia predominante nos discursos públicos roubou a cena. Dizem que a mentira tem perna curta, mas se a cara é de pau, as pernas também podem ser, bem grandes, e os que têm o poder, produzem meios de fuga e se desviam por atalhos sombrios que desconheço. Na sequência, entra a comissão, tirada sei lá por quem. Irá representar a categoria junto aos chefes do executivo com a proposta aceita pela maioria – figurantes bem ensaiados. O próximo ato?



O silêncio pode até valer ouro, mas cada vez mais anula os direitos já garantidos e distancia novas conquistas                                                                               Manaus, 12 de abril de 2010





Algumas coisas são ditas propositadamente e disseram-nos repetidas vezes sermos uma categoria desunida, pior, sem consciência política nenhuma. E foram tantas as vezes ditas, que passamos a acreditar nisso. Ao me ouvir dizer o contrário, parecerei tola. Tais palavras, no entanto, para usar um termo mais específico, de identidade política, levam à desmobilização e à fragmentação da classe; por mais fortes que sejamos, ficamos sem rumo e enfraquecidos.



No entanto, já demonstramos a nossa força. Às ruas em 2005, fomos, movidos pela força de mais de cinco mil trabalhadores, gritando palavras de ordem, reivindicando melhores salários, condições de trabalho dignas e um plano de carreira. A convicção de luta vinha da união, todos unidos por um mesmo objetivo. Algo que queríamos para todos, inclusive àqueles que optaram permanecer em sala de aula. Se um ganhasse todos levariam, até os repressores do movimento.



Éramos milhares, apaixonados e esperançosos, utopistas nem tanto, pois tudo porque lutávamos estava acessível - talvez a utopia estivesse em acreditar na mudança de atitude política; esquecemos nossos medos, arriscamos nossos empregos, enfrentamos sol e chuva - as adversidades naturais e as não naturais - ameaça de corte no salário, de demissão. Mas resistimos, pois até então, acreditávamos na legitimidade do ato, dada pela entidade posta como nossa representante, eleita por nós. Na ocasião, não poderiam negar apoio aos mais de cinco mil trabalhadores que exigiam o amparo legal ao movimento. Obviamente, a entidade que nos representa[va] deveria estar lá para guiar-nos os passos e garantir essa legitimidade.



No entanto, algo havia mudado ou talvez nunca tivesse sido diferente, só não enxergávamos. Não por sermos apolíticos, mas por acreditarmos e permitirmos uma representação que tomasse a frente, com atribuições para tal, enquanto fazíamos o nosso papel dentro da sala de aula – de ensinar. Os movimentos sindicais que tinham aparentemente um objetivo social, de luta pelos direitos dos trabalhadores, já não existiam mais àquela época. Tanto é que a decisão de terminar a greve não partiu da categoria, veio pronta e tão bem articulada e acordada que pareceu ser uma decisão consciente, partida da base, com votação e tudo mais. Isso nos lembra o quê? Será que estamos, de certa forma, de volta ao varguismo, cujos sindicatos servem apenas para conciliação? É o peleguismo escancarado.



Bem, não vou entrar nesta seara, apenas direi que, quando a categoria resolver descruzar os braços e retirar a mordaça, poderemos iniciar uma mudança na educação. Para isso, é preciso primeiro sair da orfandade, eleger uma diretoria representativa da categoria que possa falar por nós, mas que nos permita o direito de participar de todas as decisões.



Correr riscos é melhor do que não lutar; mas isso é para quem sonha coletivamente, para quem ainda se indigna, e principalmente para quem se importa. O silêncio pode ate valer ouro, mas cada vez mais anula os direitos já garantidos e distancia novas conquistas. É o que acontece com a categoria gigantesca de professores da rede pública, mergulhados no silêncio, inertes. Você consegue ouvir o grito de socorro? Eu sim. É agudo, mas tão agudo que somente os ouvidos mais sensíveis são capazes de ouvir.



Exagero talvez essas palavras, mas é a minha percepção daquilo que é real, do que calam as bocas comedidas dos meus iguais, ou do que simplesmente vejo em meu cotidiano de trabalhadora da educação - professora de sala de aula.

 
MANIFESTO

Professor, já sabe qual caminho tomar?

Antes de qualquer decisão, certifique-se de que tenha os pés firmes no chão. Consulte a História e você verá que as conquistas são possíveis, e que nenhuma veio fácil. Na maioria das vezes, dialogar não foi suficiente, sendo necessárias atitudes mais extremas, como a mobilização e a greve. Estamos, no entanto, vivendo um momento de angustiante inércia, no que se refere à luta de classes. Não precisa ser um cientista político para ver que a coisa não vai bem. Faça uma análise da conjuntura política nacional – pelo menos dos últimos oito anos (se preferir, apenas de nosso estado) - e você terá: governo e sindicato X trabalhadores.

É sabido que qualquer mobilização para reivindicação de direitos por parte de uma categoria, só tem legitimidade através da entidade legal que a representa, e nós temos nosso sindicato - com seus tão festejados 30 anos de luta – o Sinteam.

O próprio Sinteam é uma conquista, representa a classe dos trabalhadores da educação, é a voz frente às reivindicações dos nossos direitos. Tem personalidade jurídica. É, portanto, o nosso instrumento de luta, embora, hoje, se observe, pela atual diretoria, seu uso mais como um aparelho para fins que não é a luta pela melhoria da educação, tampouco dos direitos dos trabalhadores.

Isso é penoso dizer, mas em parte, é responsabilidade nossa, dos trabalhadores que não atuam em seu próprio sindicato. Mas é também compreensível tal atitude, afinal quem quer ser sócio de um sindicato que repele a própria categoria? Há, entretanto, a necessidade de se associar para participar efetivamente das decisões e deliberações tiradas nas assembléias. Isso consta no estatuto. Não basta, porém, filiar-se, mas estar quite com a tesouraria da entidade - não há argumento plausível que justifique a proibição nas assembléias dos trabalhadores por questões burocráticas, como já aconteceram inúmeras vezes, afinal o que se discute lá são os rumos da educação e em consequência, da nossa vida profissional.

Mas não se pode confundir o Sinteam - entidade representativa que legitima nossos atos como classe, conforme seu estatuto, com a sua diretoria executiva atual. Você acha que a diretoria do Sinteam vem cumprindo o seu papel? Qualquer que seja a sua resposta, isso não é impossível de se resolver. Novas eleições virão. Se quisermos mantê-la, continue como está, deixe que decidam por nós, mas se queremos mudar, temos que nos preparar.


Artigo

Deus escreve certo pelas mãos de quem menos se espera

Por Helenir Nobre

Alguém se lembra da fábula “A arca de Noé”, de Sérgio Augusto Freire de Souza? Uma tentativa frustrada de desqualificar toda uma categoria de trabalhadores e justificar o fracasso do ensino público.

O professor que não se indignou com aquela fantárdiga história (como diria o filósofo Tiririca), não mais o fará. Por conseguinte, terá ingresso garantido nessa barca do inferno chamada arca - que não é a do Auto de Gil Vicente - mas de fato, uma estapafúrdia declaração de desrespeito aos professores, quando mal comparados aos animais por suas peculiaridades, exaltadas como defeitos, desvio moral e má conduta profissional.

Possa ser que em minha humilde leitura, tenha faltado compreensão ou talvez esteja eu classificada como professora-anta, pelo sentido pejorativo aplicado à palavra, com o qual não concordo. Mas, é preciso preencher lacunas e, para isso, trago algumas questões, coisa pouca... Para que a inconsistência e a inverossimilhança da obra não permaneçam.

A fábula inicia-se com as frases-núcleo: "O mundo ia acabar e Noé, reencarnado, foi convocado novamente. Dessa vez foi pedido a ele que colocasse na Arca professores". Se Deus queria fazer uma faxina na Terra, porque diabos escolheria a nós, seres tão desqualificados? Como ficaria o planeta depois disso? Qual o propósito de Deus? Noé reencarnado? Converteu-se ao espiritismo? “Não me admiro mais de nada!”

Mais adiante temos: “Noé resolveu fazer uma correspondência dos tipos de professores com os tipos de animais para lhe facilitar a vida”. Cansado dessa vida de: enche a arca, seca a arca, enche a arca, seca a arca, queria lhe facilitar a vida. Peraí, pensei que só os professores fossem mal intencionados e quisessem se dá bem. Mas Isso não iguala Noé ao mesmo rebanho de desqualificados? Sendo assim, a que bicho seria ele comparado? De quem seria essa voz discursiva que não poupou nem mesmo o pobre e senil Noé?

Animais não faltam: coruja, preguiça, avestruz, galo, pavão, cobra, urubu, anta, lombriga (eca!), hiena, onça, leão, morcego, peixe, aranha, cigarra, borboleta e formiga. Mas qual é a moral? Somente a formiga, operária numa linha de produção incessante, está apta porque é servil, obediente? Talvez aí esteja o motivo da brevidade de sua vida, enquanto a rainha...

A rigor, as críticas aos professores são ferrenhas, mas postas geralmente de maneira sutil. Nos é dada a responsabilidade pelo fracasso da educação nas escolas públicas. O Sistema de Ensino Público, no entanto, não é composto de uma peça apenas, por isso, as perspectivas de um ensino melhor são cada vez menores, embora se diga o contrário. Poderia aqui repetir o que todo mundo já sabe sobre políticas de ensino, investimento, valorização dos professores, etc., mas cairia no pecado da redundância e a cantiga soaria fadigada como a do grilo. Então, quero acreditar que Deus escreve certo por mãos de quem menos se espera.

Verdadeira moral: Embora seja custoso acreditar, a Educação traz boas perspectivas, uma vez que foram salvos aqueles que realmente se importam com ela.

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